Carta de José do Canto enviada a Francisco de Arruda Furtado em 8 de abril de 1881

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Title

Carta de José do Canto enviada a Francisco de Arruda Furtado em 8 de abril de 1881

Description

Carta enviada por José do Canto [1820-1898] a Francisco de Arruda Furtado, respondendo à carta que acompanhou a oferta do opúsculo "O Homem e o macaco". Nesta carta José do Canto expõe as suas convicções religiosas, acrescentando que estas nunca foram abaladas pela leitura de obras de ciência de autores como Darwin, Haeckel, Broca ou Topinard, admirando neles a inteligência e a capacidade de não entrarem em conflitos de convicções.

Creator

Date

08-04-1881

Type

Correspondência

Identifier

BPARPD. JC/CORR cx1/3

Extent

2 fl.

Rights Holder

Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada

Texto Item Type Metadata

Destinatário

Francisco de Arruda Furtado

Text

Il.mo Ex.mo Senr.

Devo afirmar a V.a Ex.a, que sou católico apostólico romano. Nesta religião nasci, nela tenho vivido, e nela espero morrer. Dela tenho recebido, nas minhas maiores aflições, o salutar bálsamo da resignação.

Nunca discuti sobre estes elevados assuntos, porque nem quero ser convencido, nem convencer.

Uma religião, cuja síntese se cifra em amar a Deus sobre todas as coisas, e ao próximo, como a nós mesmos, encerra em si, a meu ver, o manancial de todas as virtudes, a que o fraco género humano pode aspirar.Não pergunto a ninguém donde vem, nem a quem adora. Por mim exerço os deveres da minha religião como a minha fragilidade o permite, sem ostentação, nem alarde, mas sem vergonha; e nenhum acto meu, de que tenha conhecimento, me pode desmentir.

Admirou-me portanto assaz, que V.a Ex.a na nota, com que ontem acompanhou a oferta do seu opúsculo “O homem e o macaco” viesse proclamar-me a necessidade de pôr um machado à raíz de todas as crenças primitivas. Julgava eu que, em semelhantes delicadas matérias, tinha o direito de exigir que tivessem comigo uma reserva, pelo menos igual à reserva que uso para com os outros.

Por curiosidade literária, e desde muitos anos, tenho lido, superficialmente é verdade por falta de sólido alicerce, Darwin, Haeckel, Broca, Topinard, e outros, sem que a minha crença fosse abalada. E sempre neles admirei, que colocando-se na região mais elevada da Ciência, evitassem as questões irritantes: exemplo, para mim, honroso e digno.
Resolvi-me a expor francamente a V.a Ex.a a impressão que me causou a sua nota, porque o meu silêncio absoluto poderia ser tomado em pior conta; e faço-o por escrito porque não desejo acrescentar uma só palavra mais àquelas, que deixo escritas.

Espero que V.a Ex.a no meio das suas novas lidas, não perderá nada da placidez e do remanso de espírito, tão necessários na prática da vida.

Sou com toda a consideração
de V.a Ex.a
Muito atento, venerador e Amigo

José do Canto

Sua Casa 8 de Abril de 1881