Observações e registos botânicos
Observações e registos botânicos
O interesse e a dedicação à botânica na obra científica de Arruda Furtado não se limitaram à colheita de espécimes que remeteu para especialistas estrangeiros, reflectindo-se ainda num conjunto significativo de desenhos e notas de trabalho, que permaneceram inéditos, dando conta da sua preocupação com a procura constante das leis que regem os fenómenos naturais.
Como refere o próprio Arruda, nos apontamentos preparatórios para a publicação de uns Princípios teóricos e práticos de Biologia destinados aos Liceus11: ‘A observação do feitio e da cor de uma flor mais do que uma ocupação agradável dá a comparação rigorosa d’esse feitio e d’essa cor com o fim de descobrir a lei que os regula’. A corroborar este princípio, Arruda Furtado critica ainda a tradição taxonómica inaugurada por Lineu e seguida por muitos cientistas da sua época, como sendo meramente descritiva. Por oposição, é na obra de Darwin que encontra os fundamentos para uma classificação das espécies assente na explicação da origem dos animais e das plantas pelas mesmas causas naturais. Nesse sentido, numa outra nota manuscrita, refere liminarmente12: ‘Praticando zoologia ou botânica descritiva foi sem dúvida muito útil, mas não passar daqui, não buscar a lei, é cavar os alicerces e não edificar a casa’.
A preocupação constante em compreender a diversidade que o rodeia é alicerçada na importância que confere à realização de trabalhos práticos, efectuados segundo procedimentos científicos rigorosos e apurados, que incluam não só a morfologia interna e externa do objecto de estudo, mas também, quando possível, estudos histiológicos e embriológicos, sempre acompanhados por desenhos esquemáticos. Segundo Arruda Furtado, o trabalho prático deveria recorrer a instrumentos de observação aperfeiçoados (microscópios) e a corantes selectivos. A realização de trabalhos práticos na História Natural, nomeadamente de anatomia comparada, a medida e o desenho, é considerada fundamental para a aceitação ou rejeição de uma teoria e na selecção de caracteres relevantes para a classificação dos organismos, conforme refere frequentemente nos seus manuscritos. Para além disso, critica os sistematas da época por não demonstrarem interesse pela anatomia comparada, preferindo utilizar apenas os caracteres externos, mais fáceis de identificar na classificação.
A utilização deste método é particularmente visível nos desenhos de Arruda Furtado, onde se pode observar esquemas morfológicos e anatómicos em várias perspectivas, complementados com registos de medidas, por vezes efetuadas em diversas fases do crescimento em inúmeros indivíduos, como se observa, por exemplo, em desenhos do desenvolvimento de diferentes partes da flor de quatro variedades do género Fucsia. Neste, integra diversos esquemas das peças florais ao longo do tempo, com as respectivas medidas, comparação de proporções e procura de padrões comuns. Todo este estudo revela um trabalho meticuloso e rigoroso13.
Embora seja fundamental um estudo ainda mais aprofundado sobre os desenhos botânicos que constituem parte do espólio de Arruda Furtado, com base numa primeira análise, estes parecem evidenciar um interesse e curiosidade particular pelo tema da variabilidade morfológica das estruturas dos indivíduos, e pelas anomalias morfológicas e estruturais que observa na natureza, nomeadamente em flores e frutos de diversas espécies de plantas e de um fungo.
Nos apontamentos preparatórios dos Princípios teóricos e práticos de Biologia referidos anteriormente, é possível que Arruda tenha pensado integrar alguns desenhos botânicos, entre os quais um representando o aspeto morfológico de uma pêra sem caroço14, do qual permanece aliás ainda um esboço no espólio à guarda do MUHNAC.
A preocupação com a variabilidade individual dos organismos enquadra-se na teoria evolucionista de Darwin que defendia a importância destes estudos no entendimento das leis da variabilidade, ou seja, na compreensão dos factores responsáveis pela existência de um determinado grau de variação de um carácter. Para além disso, segundo Darwin o estudo da amplitude da variação morfológica das espécies, sobretudo das mais polimórficas, com base num trabalho de observação e comparação meticulosa dos caracteres importantes, no seio de muitos indivíduos da mesma espécie, é fundamental na definição de espécies, subespécies e variedades. Na sua obra Origem das espécies, Darwin afirma mesmo que no caso de alguns géneros, Rubus ou Rosa era difícil encontrar dois naturalistas que estivessem de acordo quanto à classificação destas como espécies ou variedades.
Notas
11 MUL-MUHNAC, AHMUL, Espólio Arruda FurtadoPrincípios teóricos e práticos de Biologia destinados aos Liceus.
12 MUL-MUHNAC, AHMUL, Espólio Arruda FurtadoNota sobre zoologia e botânica descritivas.
13 MUL-MUHNAC, AHMUL, Espólio Arruda FurtadoNotas sobre História Natural.
14 MUL-MUHNAC, AHMUL, Espólio Arruda FurtadoAnomalia da flor da pêra.