Arruda Furtado e a Antropologia

Distribuição das raças humanas

Esboço de Planisfério, representando a distribuição das diferentes raças humanas.

Francisco de Arruda Furtado e a Antropologia

A obra de Francisco de Arruda Furtado na área da antropologia enquadra-se num projeto mais vasto de que Teófilo Braga (1843–1924), também ele açoriano, marcado pelo evolucionismo darwinista e uma das figuras mais destacadas do positivismo em Portugal, é um dos expoentes.1 Este projeto, orientado para o estudo das manifestações da ‘civilização portuguesa,’ organiza-se segundo três eixos, de resto já anteriormente enunciados por Alexandre Herculano (1810–1877) ― raça, língua e território2―, sendo para o efeito mobilizadas disciplinas tão distintas quanto a antropologia física, a etnologia e a etnografia, a linguística, a glotologia e a fonologia, e a arqueologia pré-histórica.3

Apesar de não descurar nenhum destes três vetores de investigação, ao invés de Teófilo Braga e de Francisco Adolfo Coelho (1847–1919), que partilham de uma visão historicista da cultura popular, privilegiando a etnologia e a etnografia,4 Arruda Furtado segue uma orientação de pendor materialista, atribuindo um papel decisivo à antropologia física, cujos métodos são mais próximos da história natural, sua principal área de trabalho. Neste contexto, dá o maior relevo à antropometria, com destaque para a craniometria, estando subjacente aos seus estudos antropológicos a teoria da evolução de Darwin, bem como as orientações de evolucionistas como Pierre Paul Broca (1824 – 1880), Paul Topinard (1830–1911) e Gustave Le Bon (1841–1931), o último amplamente citado na obra publicada e nos manuscritos,5 e com quem troca correspondência. A adesão de Arruda Furtado à universalidade da teoria da evolução que informa a sua prática antropológica está bem patente em duas publicações: uma de 1881, com o título O Homem e o Macaco,6 e uma outra de 1886, O Macho e a Fêmea no Reino Animal.7

Distribuição das raças humanas

Manuscrito, contendo quadro com dados sobre Nações, Povos e Raças, retirados da obra de David Kaltbrunner, intitulada Aide-Mémoire du Voyageur (1881).

Arruda Furtado, bem como as suas principais referências estrangeiras, adota uma perspetiva que domina a antropologia e a etnologia, entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX. Neste quadro, ‘a craniologia, a frenologia e a análise fisionómica, bem como todas as tentativas de quantificar desigualdades raciais através de medidas, legitimam a suposta superioridade dos europeus do sexo masculino’.8 As discussões havidas no seio desta comunidade de antropólogos e de etnólogos exprimem a convicção em um determinismo materialista legitimado pela ciência, que pressupunha a inevitabilidade do extermínio das ‘raças inferiores’ pelas ‘superiores’,9 no âmbito da ‘luta pela sobrevivência’, denotando as tensões então existentes entre a metrópole imperial e as suas possessões e entre nacionalismo e internacionalismo.10

Notas

1 Maria da Conceição Azevedo, ‘Teófilo Braga’, Revista Portuguesa de Filosofia, 43 (1987), 307-336.Sobre o lugar do darwinismo no biologismo sociológico de Teófilo Braga, ver Ana Leonor Pereira, Darwin em Portugal (1865–1914). Filosofia. História. Engenharia Social, Coimbra, Livraria Almedina, 2001, pp. 331 – 357 e‘A Recepção do Darwinismo em Portugal’, in Ana Leonor Pereira, Heloísa Bertol Domingues, João Rui Pita, Oswaldo Salaverry Garcia, eds., A Natureza, as suas História e os seus Caminhos, Coimbra, Imprensa da Universidade Coimbra, 2006, pp. 9–26. A respeito do positivismo em Portugal, suas características e difusão ver José Luís Brandão da Luz, ‘A Propagação do Positivismo’, in Pedro Calafate (dir.) e Manuel Cândido Pimentel (coord.), História do Pensamento Filosófico Português. O século XIX. Lisboa, Editorial Caminho, 2004, Vol. IV, Tomo I, pp. 239 – 432.

2 Teófilo Braga, A Pátria Portugueza. O Território e a Raça, Porto, Livraria Internacional Ernesto Chardron, 1894.

3 José Luís Brandão da Luz, ‘A Etnologia e a Questão das Identidades Nacionais’, in Pedro Calafate (dir.) e Manuel Cândido Pimentel (coord.), História do Pensamento Filosófico Português. O século XIX. Lisboa, Editorial Caminho, 2004, Vol. IV, Tomo I, pp. 389 – 417.

4 Teófilo Braga, Cantos Populares do Arquipélago Açoriano, Porto, Typ. da Livraria Nacional, 1869, (fac.sim.), Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1982; Cancioneiro Popular (coligido da tradição oral), Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 1867; História da Literatura Portugueza, Porto, Imprensa Portuguesa, 1870 – 1873); Contos Tradicionais do Povo Portuguez,Porto, Livraria Universal de Magalhães e Moniz Editores, 1883; O Povo Portuguez nos seus Costumes, Crenças e Tradições, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 1885. Francisco Adolfo Coelho, A Língua Portugueza. Phonologia, Etymologia, Morphologia e Syntaxe, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 1868; A Questão do Ensino: Conferencia Publica feita no Casino Lisbonense em 17 de junho de 1871, Porto, Livraria Internacional, 1872; Contos Populares Portugueses, Lisboa, P. Plantier, 1879.

Distribuição das raças humanas

Documentação referente à distribuição das raças humanas pelo globo no Arquivo Histórico dos Museus da Universidade de Lisboa.

5 Especialmente, Gustave Le Bon, ‘De Moscou aux Monts Tatras. Étude sur la Formation Actuelle d’une Race’,  Bulletin  de la Société de Géographie  de Paris , 2 (1881), 1822–1899 e L’Anthropologie Actuelle et l’Étude des Races’, Revue Scientifique 11  (1881) , 772–782. Benoît Marpeau, Gustave Le Bon (1841–1931), parcours d’un intellectuel, Paris,  CNRS, 2000.

6 Francisco de Arruda Furtado, O Homem e o Macaco, Lisboa, Edição do Autor, 1881. Esta e restantes publicações de Arruda Furtado abaixo indicadas podem ser consultadas em Obra Científica de Francisco de Arruda Furtado, Introdução, levantamento e notas de Luís M. Arruda, Ponta Delgada, Angra do Heroísmo, Instituto Cultural de Ponta Delgada e Instituto Açoriano de Cultura, 2008.

7 Francisco de Arruda Furtado, O Macho e a Fêmea no Reino Animal, Biblioteca do Povo e das Escolas, 128, Lisboa, David Corazzi Editor, 1886.

8 Patrick Brantlinger, Taming Cannibals: Race and the Victorians , Cornell, Cornell University Press, 2011, p. 57; George W. Stocking, ‘ Paradigmatic Traditions in the History of Anthropology’, in R.C. Olby, G.N. Cantor, J.R.R. Christie, and M.J.S. Hodge (eds.), Companion to the History of Modern Science , London and New York, Routledge, 1990, pp. 712–727.

9 Brantlinger, Taming Cannibals, p. 58. Em Portugal ver, por exemplo, Oliveira Martins que defendia a ideia de que as ‘raças inferiores’ deveriam ser subjugadas ‘pelas superiores’ e, por esse motivo, as primeiras estariam condenadas à extinção. Valentim Alexandre, ‘Questão Nacional e Questão Colonial em Oliveira Martins’, Análise Social, 31 (1996), 183-201 (189).

10 Chris Manias, ‘The Race Prussienne Controversy. Scientific Internationalism and the Nation’, Isis , 100 (2009), 733-757 ; Brigitte Schroeder-Gudehus, ‘Nationalism and Internationalism’ in Olby et al. (eds.), Companion to the History of Modern Science , pp. 909-919; Jesús Catalá-Gorgues, Ana Carneiro, ‘Like Birds of a Feather: the Cultural Origins of Iberian Geological Cooperation and the European Geological Map of 1896’, The British Journal for the History of Science , 46 (2013), 39–70.

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